5 DE JULHO DE 1924, A "REVOLUÇÃO ESQUECIDA."


Há 91 anos eclodia a Revolução, cujo epicentro foi São Paulo.
* Sérgio Marques
Na segunda década do século passado o Brasil ainda era uma República anacrônica, pois o objetivo do Estado Brasileiro, em um “ciclo perverso”, encerrava-se em si mesmo. A população era o que menos importava! Reinava a famigerada política do “Café com Leite”, com a alternância do Executivo Federal (Presidência da República) apenas por representantes de oligarquias dos Estados economicamente majoritários, entenda-se São Paulo e Minas Gerais. As eleições eram manchadas pelo incrédulo voto aberto, o malicioso voto de cabresto, com a população “exercendo cidadania” de acordo com o pensamento dos poderosos “coronés” (como eram chamados os chefes políticos locais); essas práticas cobriam nossos sertões. O Presidente da República à época era o também oligarca Arthur Bernardes, em triste continuísmo político,...
Foi em um Quartel da Força Pública, na Av. Tiradentes, no centro da Capital, isso mesmo, Força Pública Paulista (atual Polícia Militar do Estado de São Paulo), que a rebeldia se instaurou contra a mesmice que corrompia e retirava o verde e amarela de nossa Bandeira. Nos dias atuais outras forças, não menos perigosas, tentam o mesmo propósito...

Na alvorada de 05 de Julho de 1924 eclodia a Revolução, hoje, por questões óbvias, conhecida pelo termo “Revolução Esquecida”. 
O Quartel da Luz, no atual Regimento de Cavalaria e parte do antigo 1º BC (1º Batalhão de Caçadores –“ROTA”), sob o comando do Major FP do Regimento MIGUEL COSTA e inúmeros outros colaboradores (destacando o Tenente FP JOÃO CABANAS, autor do livro "A Coluna da Morte"), dominaram a cidade de São Paulo.
O Chefe do Executivo Paulista, Carlos de Campos, foge para Guayauna (Bairro da Penha), após a sede do governo Paulista, no Palácio Campos Elíseos (na Esquina da Av. Rio Branco x Praça Princesa Isabel) ter sido atacado pelos rebeldes.
O intuito do movimento era claro, ou seja, a derrubada do Presidente, que representava a ordem vigente, arcaica e corrompida, além da mudança radical da estrutura viciada do Estado Brasileiro. Com a suposta adesão de outras localidades, marchariam para o Rio de Janeiro (capital Federal da época) para destituir o Presidente. Só que não houve a adesão de outros praças, o que inviabilizou a marcha! O evento era originário do “Movimento Tenentista”, grupo essencialmente urbano e representante da classe média em crescimento, antagônico ao movimento ruralista e tradicional, porque almejava por profundas mudanças na sociedade brasileira. Em nada se confunde com a ideologia pregada pela União das Repúblicas Socialistas Soviéticas – URSS desde 1917

O Movimento Tenentista teve seu batismo de fogo no mesmo dia, porém dois anos antes, na cidade do Rio de Janeiro, no episódio conhecido como "Os 18 do Forte de Copacabana", que, com semelhança ao voluntarismo dos "300 de Esparta", marcharam para a morte e pela glória na Praia de Copacabana. Ao final da peleja restaram feridos apenas os Tenentes Siqueira Campos, que dá nome ao Parque Trianon, na Av. Paulista, e Eduardo Gomes, futuro Brigadeiro de nossa Força Aérea. Os dois já recuperados e eternos rebeldes teriam intensa participação na Revolução de 1924 bem como no comando de tropas da Coluna Miguel Costa- Prestes pelo Brasil. O ano de 1922 na história brasileira foi no mínimo diferenciado, pois outros dois episódios fecharam-no: Semana de Arte Moderna e fundação do Partido Comunista do Brasil!
Em 1917, durante a greve geral de São Paulo, o mesmo Major de Cavalaria, MIGUEL COSTA, recebera ordens governamentais para dissipar os manifestantes. Mesmo após receber uma pedrada na testa, lançada por um manifestante mais exaltado, apeou de seu cavalo e se pôs a conversar com os grevistas. Recebeu o convite para verificar as precárias condições em que viviam as pessoas. Resultado: por lógica, influenciado pelas condições subumanas que seus olhos constataram (operários, imigrantes, migrantes, crianças, mulheres, idosos etc.), negociou a primeira greve no Brasil.
Com certeza aquela vistoria de 1917 incrementou sua visão humanista, pois foi testemunha presencial das condições adversas de vida no Brasil naquele primeiro quarto do século passado.

Enquanto persistia o "Julho Revolucionário de 1924" a situação na cidade, durante o domínio rebelde, só piorava. Ela era constantemente bombardeada por tropas fieis ao Governo situacional, através dos canhões e de sua debutante aviação, em total desrespeito a população civil. Bairros populares e operários como Moóca, Brás, Centro, além de Perdizes e Vila Mariana foram agraciados com as bombas que levavam o beijo da morte... A cidade era habitada por aproximadamente 700.000 almas, muitas das quais simpatizantes dos rebeldes. Em decorrência das "bombas legalistas" ocorreu um gigantesco êxodo na cidade, pois em torno de 300.000 pessoas abandonaram-na. Sempre ela, a guerra, fazendo vítimas civis, similar ao que ocorre hoje na Síria, um Estado retalhado por concepções políticas, ideológicas e religiosas radicais... 
O Comando Revolucionário, encabeçado pelo General Isidoro Dias Lopes, ciente de que outras partes do país não aderiram ao movimento e, paralelamente, ao sacrifício da população paulistana, após 23 dias de domínio, partem em 28 do mesmo mês, optando pela "guerra de movimento" no território brasileiro para semear os ideais de modernidade e justiça.

Através da Estação Ferroviária da Luz (que hoje também abrange uma Estação do Metrô, de mesmo nome), nas proximidades do "Quartel da Luz", 6.000 rebeldes (inclusos 2.000 civis que aderiram à Revolução) embarcaram nos trens com destino inicial ao interior do Estado, na cidade de Bauru, até alcançarem a região pouco habitada de Foz do Iguaçu, no Estado do Paraná (e posterior marcha pelo Brasil). Com MIGUEL COSTA, 3.800 guerreiros chegaram ao oeste do Paraná. Os rebeldes permaneceram no aguardo das tropas do Capitão do Exército Brasileiro Luís Carlos Prestes, que se sublevaram no Rio Grande do Sul no dia 28 de outubro de 1924. Quase cinco meses após (11 de abril de 1925) alcançam a tropa Paulista, com apenas 800 maltrapilhos e quase desarmados componentes da Coluna do Capitão Prestes. As duas colunas unidas (de São Paulo e do Rio Grande) resultaram na "1ª Divisão Revolucionária", ou, simplesmente, com justa revisão histórica, "Coluna Miguel Costa- Prestes".
Nos meios Acadêmicos era apenas conhecida pelo termo "Coluna Prestes", Capitão do Exército, fato militarmente incabível, pois Miguel Costa era seu superior hierárquico, no posto de Major (para os militares antiguidade é posto...). A “1ª Divisão Revolucionária” é importante página da Historiografia Nacional, pois, com abnegação e heroísmo, anônimos percorreram aproximadamente de 25.000 km do território nacional (constituindo a maior marcha militar do planeta), até o internamento da tropa rebelde na Bolívia, em 1927, encerrando esse capítulo desconhecido para a maioria dos brasileiros.... 
Vivas também aos soldados legalistas que perseguiram a Coluna, pois sofreram as mesmas adversidades dos tempos de guerra.

Outro líder da estirpe de MIGUEL COSTA, porém em trincheira distinta, também treinado pelos membros gauleses da 1 ª Missão Francesa de Instrução da Força Pública Paulista (1906-1914), o Coronel PEDRO DIAS DE CAMPOS, Comandante Geral da Força Pública Paulista, perseguiu pessoalmente a Coluna Miguel Costa - Prestes pelo interior do Brasil. Na Campanha a Força Pública Paulista teve o desprazer de ter a primeira baixa da Aviação Militar Paulista, em 1926, com a morte do Tenente FP Chantre, em Uberaba- MG, após um pouso mal sucedido em que o vitimou mortalmente. O segundo piloto, Tenente FP Antônio Pereira Lima, teve ferimentos gravíssimos e fora internado na Santa Casa local, ficando 8 dias em coma, porém resistindo aos ferimentos. Estavam a caminho de Goiás, na Campanha de mesmo nome, combatendo a Coluna Miguel Costa- Prestes. Coincidentemente, o vitimado sobrevivente, no ano anterior, Ten PM Pereira Lima ficara conhecido como o primeiro paraquedista brasileiro, feito realizado no Campo de Marte. Os fundos arrecadados decorrentes da demonstração também auxiliaram na Construção do Hospital Cruz Azul, destinado aos familiares dos membros da Força. A vida de caserna obrigava-os a se ausentarem por longo período de suas famílias, pois constantemente eram acionados para participarem de Campanhas Militares. A Cruz Azul era (e o é) um porto seguro para as esposas e filhos dos guerreiros de ontem, hoje e sempre...
Deve- se a 5 de Julho de 1924 o início efetivo de derrubada das pilastras que sustentavam a Velha República, que se romperam definitivamente no ano de 1930 com a “Revolução Outubrista”. As eleições no Brasil são realizadas no mês de outubro em decorrência daquele evento. 
Com a ruptura de 1930, iniciam-se os tímidos primeiros passos para o avanço das instituições políticas, culminando na Constituição Cidadã de 1988 e na liberdade de expressão e manifestação do povo brasileiro. 
Contudo, o poder às vezes pode cegar. O que era para ser temporário, com os ideais dos “Tenentes”, perpetuou- se no tempo e no espaço, com a figura de Getúlio Vargas. Muitos dos "Tenentes" sofreram de tal mal.... São Paulo mais uma vez cobrou! Novamente sangue brasileiro de nascimento e/ou adoção escoou durante a Revolução Constitucionalista, dois anos depois... Os Soldados da Lei foram imortalizados no Mausoléu do Soldado Constitucionalista de 1932 (Obelisco do Ibirapuera, na Capital).

O heroísmo e sacrifício daquela geração, pois pegaram em armas, foram louváveis. Hoje, felizmente, outras "armas" são utilizadas, sendo a principal “munição” o voto (direto, secreto, universal, e periódico, hoje cláusulas pétreas, conforme reza artigo 60, parágrafo 4º, inciso II, da CF/88), que pode derrubar qualquer trincheira de intolerância e injustiça. Mas não nos esqueçamos daqueles valentes, que JAMAIS poderão ser esquecidos...
Para os críticos do General MIGUEL COSTA, em conversa informal com o Coronel Mário Ventura ( http://ventura-memriasdoventura.blogspot.com.br/), estudioso dos feitos da Instituição, revelou-me fato marcante. Quando ainda Cadete da Força Pública, em 1959, entrevistou o grande Comandante. Confessara a ele que uma de suas grandes tristezas era não ter participado da Revolução de 1932 ao lado das Tropas Constitucionalistas. Afinal, por ter sido um membro atuante do movimento “Tenentista”, fora aprisionado em São Paulo durante a Guerra pela Constitucionalidade.
Bravos de outrora, que hoje habitam o infinito, o sangue jorrado não foi derramado em vão... Nossa eterna gratidão!!!!!

* Sérgio Marques, pesquisador militar, é Capitão de Polícia Militar. Bacharel em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública pela APMBB; Bacharel em Direito pela UNIBAN; Pós - Graduado em Política e Relações Internacionais pela FESP; Mestre em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública pela APMBB.




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